Como contar até 100
Em 10 de novembro de 2009

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A menina estava sentada no colo da mãe olhando a paisagem de concreto de uma das ruas da periferia de Curitiba. Ao mesmo tempo, contava - nada de especial para ser contado, apenas contava os próprios números. Pelo jeito havia aprendido a "lógica" da contagem pouco tempo atrás. E ela se esforçava:
- 57... 58... 59... 50!
- 60, filinha - corrigia a mãe. - Depois do 5 vem o 6, e depois dos "cinqüentas" vem os "sessentas".
- Ah, tá... 61... 62... 63... - e a mãe contava alguns números junto com a menina, na tentativa de incentivá-la. E quando a mãe parava, a menina continuava:
- 68... 69... 50!
O erro era o mesmo, e a mãe lhe corrigia com amor.

Desembarquei do ônibus quando estavam em 117. Lembrei-me da minha época de criança quando tentava contar, e sempre que chegava em 39 acabava voltando para o 30. E só percebia quando estava de novo no 39, pensando "opa, eu já estive aqui antes". E realmente me lembro até hoje o dia que consegui chegar até os 100 sozinho - que maravilha! Acho que não era uma questão de "não saber contar" ou "não perceber que caia novamente no mesmo lugar". Acredito que o problema era simplesmente a inexperiência motora do cérebro em fazer a contagem. Eu sabia onde estava, sabia para onde queria ir - mas não conseguia chegar lá, até que a cognição neurológica foi feita e enfim tudo se resolveu. E na cena do ônibus percebi que eu não fui a única criança no mundo que um dia passou por essa dificuldade.

Creio que de algum modo devam existir "cognições espirituais". Não gosto do termo "espiritual" por que sempre faz parecer um lance meio zen, um tanto místico, que apenas se refere a alguns momentos do dia em que você se desliga de tudo para pensar na sua alma. Na verdade, quando falo de algo "espiritual" me refiro completamente àquilo que diz respeito ao relacionamento com Deus, em todas as circustâncias do seu dia - inclusive nos momentos em que você não está pensando em coisas espirituais. "Espiritualidade" não é uma parte, mas toda a sua vida que buca parecer-se cada vez mais com Cristo. Ainda é mais que isso, mas não vou me ater a alguma definição maior agora.

Enfim, as "cognições espirituais" nos ajudam a compreender, interpretar e praticar a vontade de Deus e Sua palavra. Há muitas coisas do Reino de Deus que eu não compreendo perfeitamente, e tateio em busca de algum meio de interpretar e responder dúvidas. Há partes da Bíblia que eu não vejo grandes ensinamentos ou aplicações práticas, há questões sobre Cristo que não consigo resolver.

Nesses momentos pareço uma criança, que tenta compreender sobre Deus mas em algum momento acha uma brecha cognitiva e não consegue chegar ao lugar desejado nos seus pensamentos. Burro eu seria se simplesmente tentasse continuamente chegar a conclusões, sem dar ouvidos à nenhum tipo de instrução - como alguém que tenta atravessar uma porta fechada, e fica correndo em direção a ela, esborrachando-se toda vez, enquanto há alguém com a chave ao lado da porta e que poderia abri-la se eu pedisse.

Exatamente nesse ponto que vejo a importância do discipulado. A menina era instruida pela mãe. Cristãos novos são instruidos por cristãos maduros. E mesmo cristãos maduros devem ser instruidos por cristãos mais velhos. "Discipulado" são pessoas mais instruidas auxiliando pessoas menos experientes a formarem suas cognições. E aqueles que se recusam a serem discipulados são os que trombam na porta trancada. Um dia talvez consigam cruzá-la, mas levará muito mais tempo.

O mais magnífico é que no Reino de Deus nunca há um final, onde todas as cognições tenham sido feitas e não haja mais necessidade do discipulado ou da instrução. E é por isso que quanto mais se sabe e compreende, maior é o anseio e a expectativa pelo dia em que o próprio Deus reunirá a todos - sábios e inexperientes - e lhes dirá tudo, para que enfim todas as coisas possam ser compreendidas e todas as cognições estejam consumadas. Haverá um dia em que Deus nos ajudará a contar até 100.